Conheça a trajetória de Sebastião Salgado, o fotógrafo brasileiro que transformou a dor em arte e revelou a dignidade humana através da fotografia documental.
Morreu nesta sexta-feira (23), aos 81 anos, o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, ícone absoluto da fotografia documental e humanitária. A notícia foi confirmada pelo Instituto Terra, fundado por ele e sua esposa, a curadora e arquiteta Lélia Deluiz Wanick Salgado, com quem dividiu vida, obra e floresta.
Salgado foi mais do que um fotógrafo — foi cronista do mundo real. Com sua câmera analógica e suas lentes em preto e branco, viajou por mais de 120 países registrando migrações, trabalhadores, conflitos, resistências e, mais tarde, paisagens intocadas. Seu trabalho está entrelaçado com a história dos oprimidos e com a reconstrução de ecossistemas. Uma estética da empatia.
Da economia à fotografia: um olhar que atravessa fronteiras
Nascido em Aimorés, Minas Gerais, em 1944, Salgado formou-se em economia pela Universidade de São Paulo e obteve doutorado pela Universidade de Paris em 1971. Foi durante seu trabalho na Organização Internacional do Café, em Londres — em visitas frequentes à África — que nasceu sua inquietação estética. O desejo de documentar o mundo se sobrepôs ao de analisá-lo com números.
Em 1974, já atuava como fotojornalista freelancer da agência Sygma. Depois, passou pela Gamma (1975–1979) e ingressou na lendária agência Magnum, ao lado de nomes como Cartier-Bresson e Robert Capa. Foi ali que consolidou seu olhar como cronista visual do século XX.
Obras icônicas que narraram a dor — e a beleza
Ao longo da carreira, Salgado produziu extensas séries documentais, entre elas:
“Other Americas” (1986): Um mergulho sensível nas comunidades rurais da América Latina.
“Sahel: L’homme en détresse” (1986): Uma denúncia fotográfica sobre a crise humanitária na África.
“An Uncertain Grace” (1990): Uma exposição radical sobre fé, fragilidade e sobrevivência.
“Workers” (1993): Um épico silencioso sobre a extinção do trabalho manual.
“Êxodos” (2000): Narrativa potente sobre deslocamentos forçados em escala global.
“Gênesis” (2013): Uma carta de amor à Terra — sua fase mais contemplativa e ecológica.
Seus livros ganharam prêmios internacionais, como o ICP Infinity Award e o Prêmio Hasselblad, e foram expostos nos principais museus do mundo.



Uma estética ética: dignidade, não piedade
Ao contrário da fotografia que isola o sofrimento e busca o choque fácil, Salgado insistia em narrativas coletivas. Suas imagens são sempre parte de um corpo maior de trabalho. Ele se recusava a transformar o retratado em símbolo de miséria. Em vez disso, construía narrativas em que o olhar do outro encontra o nosso — sem hierarquia, sem espetáculo.
Por isso, suas imagens não pedem piedade. Pedem escuta. Compostas como pinturas, elas revelam força, integridade, espiritualidade. E deixam claro: a dor não é espetáculo, é contexto.
Do deserto à floresta: o legado ambiental
Em parceria com Lélia, fundou o Instituto Terra, responsável por reflorestar mais de 2 milhões de árvores no Vale do Rio Doce. O projeto virou símbolo global de regeneração ambiental e foi reconhecido por governos e ONGs no mundo inteiro.
“Sebastião foi muito mais do que um dos maiores fotógrafos de nosso tempo”, disse o Instituto em nota. “Sua lente revelou o mundo e suas contradições; sua vida, o poder da ação transformadora.”
Um adeus que é também semente
Salgado faleceu em Paris, cidade que adotou como lar, após complicações de saúde decorrentes da malária. Em 2024, declarou ao The Guardian que sua aposentadoria foi motivada pela fragilidade física. Mas sua força permanece. Nos livros. Nas florestas. Nos retratos. Nos olhos do mundo que ele nos ensinou a ver com mais cuidado.